5  Probabilidades

5.1 Introdução

Após finalizarmos as principais ideias sobre a Estatística Descritiva, Capítulos 1 a 4, iniciamos o assunto de probabilidade, como passos iniciais para a tomada de decisão por meio dos dados. Para isto, usaremos a Estatística Inferencial (Teoria da Estimação e Teoria da decisão), assuntos vistos nos Capítulos 9 e 10. Contudo, é imprescindível uma fundamentação teórica sobre a probabilidade, base para a tomada de decisão.

A probabilidade vem aparecer como ramo da matemática no século XV, embora tenha surgido antes desse período. Entretanto, somente no século XVI, é que a teoria da probabilidade passa a ser estudada com profundidade, quando Jerónimo Cardano (1501-1576) passa a estudar problemas com os jogos de azar: cartas, dados, etc. Os jogadores de cassinos, tentavam encontrar meios de obter chances maiores de, por exemplo, ganhar um jogo, acertar um número ou uma carta. Daí surge a probabilidade para resolver esses problemas por meio dos matemáticos.

Já a estatística inicialmente, tentava identificar determinados problemas do Estado, como o número de nascidos e de mortos, determinação do número de pessoas do sexo masculino e feminino, etc. Entretanto, apenas no início do século XX é que a probabilidade e a estatística passam a ser interligadas, isto é, a estatística agora necessita de técnicas probabilísticas para o estudo de dados.

Hoje, a Estatística tem como um dos objetivos entender características atribuíveis a população de estudo. Com um subconjunto (amostra) da população, a estatística tenta se aproximar dessas características (parâmetros) por meio da inferência, através dos estimadores (características atribuíveis a amostra). Entretanto, se basear numa amostra para entender a população, gera uma incerteza. E essa incerteza é medida por meio da teoria da probabilidade, pela qual toda a estatística é desenvolvida.

Inicialmente, faremos uma revisão sobre Teoria de conjuntos, já usando termos específicos dentro da probabilidade, como por exemplo, a definição de um Experimento aleatório, dentre outras. Isso porque se faz necessário o entendimento sobre o agrupamento de elementos, e a chance com que esses elementos podem ocorrer em um experimento.

5.2 Introdução à teoria de conjuntos no contexto probabilístico

Quando desejamos compreender algum fenômeno da natureza, tentamos estudá-lo por meio de um processo de observação chamado experimento. Para isso, definimos um experimento aleatório, Definição 5.1, a seguir.

Definição 5.1: Experimento Aleatório
Todo experimento cujo resultado não pode ser previsto antes de sua execução, é chamado de experimento aleatório.

Vejamos os Exemplos 5.1, 5.2 e 5.3 para exemplificar um experimento aleatório.

Exemplo 5.1
Lançar um dado equilibrado e observar o resultado obtido na face superior do dado.

Exemplo 5.2
Observar o número de chamadas telefônicas que chegam a uma central telefônica em um determinado intervalo de tempo.

Exemplo 5.3
Para a escolha ao acaso de uma lâmpada que acabou de sair do processo de fabricação, verificar o tempo de duração da lâmpada em funcionamento.

Em um contexto aplicado, podemos nos interessar em estudar a resistência de um fio de cobre a uma determinada corrente. Para isso, replicamos diversas vezes esse fenômeno e medimos a resistência. Este é um exemplo do que chamamos de experimento. Para que esse experimento não tenha resultados inconsistentes, usamos muitas vezes um laboratório para tentar controlar outras variáveis que possam perturbar o experimento, isto é, medimos a resistência do fio, de modo que a maior influência dessa variável para o experimento, seja devida a corrente aplicada ao final. Por mais que limitemos as condições externas do experimento, surgem sempre variáveis não controláveis ao sistema que foge do controle do pesquisador nesses casos, que são as variáveis não controláveis, Figura 5.1. Por mais que repliquemos o experimento, em mesmas condições, veremos que a medida da resistência do fio não será igual, devido a essas variáveis não controláveis, e que isso reflete em um componente aleatório, e por consequência, dizemos que estes tipos de experimentos são chamados de experimentos aleatórios.

Figura 5.1: Componente aleatória de um experimento aleatório.

Baseado, nos exemplos anteriores, percebemos pelo Exemplo 5.1, que não sabemos de fato qual o número da face superior que ocorrerá após o lançamento do dado. Mas sabemos, quais os resultados possíveis, que são: \(1\), \(2\), \(3\), \(4\), \(5\) e \(6\). O conjunto de todos esses resultados, chamaremos de Espaço amostral, apresentado na Definição 5.2, a seguir.

Definição 5.2: Espaço amostral
O conjunto de todos os resultados possíveis de um experimento, denotado por \(\Omega\), é chamado de espaço amostral.

Cada um dos elementos do espaço amostral é representado por \(\omega\). Na Definição 5.6, apresentaremos o significado de evento. Contudo, podemos antecipar como um subconjunto de \(\Omega\). Assim, diremos que um determinado evento ocorrerá se o resultado do experimento estiver nesse evento. Existem duas relações entre eventos que usaremos constantemente ao longo do conteúdo, que são:

  • Continência: \(A \subset B \Leftrightarrow \omega \in A \Rightarrow \omega \in B\);
  • Equivalência: \(A = B \Leftrightarrow A \subset B \textrm{ e } B \subset A\).

E que fique claro, a relação de elemento para conjunto é de pertinência, isto é, \(\omega \in A\). Significa que \(\omega\) é um elemento pertencente (ou membro) de \(A\). A relação entre conjuntos é uma relação de continência, isto é, \(A \subset B\), significando que todo elemento de \(A\) é também elemento de \(B\).

De forma mais abrangente, poderíamos apresentar a relação da equivalência da seguinte forma:

  • Continência: \(A \subseteq B\).

Esta representa difere da situação anterior da seguinte forma:

  • dizemos que \(A \subset B\), implica que \(A\) é um subconjunto estrito de \(B\), e que \(B\) contém pelo menos um elemento \(\omega\) que não pertence a \(A\), logo \(A\) não pode ser igual \(B\);
  • dizemos que \(A \subseteq B\), implica que \(A\) é um subconjunto de \(B\), podendo \(A\) ser igual ou não \(B\), isto é, todos os elementos de \(A\) podem pertencer a \(B\) ou \(B\) pode ter elementos adicionais que não pertencem a \(A\), e daí \(A\) pode não ser igual a \(B\).

Retornando a Definição 5.2, podemos apresentar um outro espaço amostral, para o experimento dado no Exemplo 5.3, a seguir.

Definição 5.3
Um experimento lança três moedas honestas, e desejamos verificar a face superior dessas moedas. Sabemos que cada moeda apresenta duas faces: cara (H) e coroa (T). Dessa forma, o espaço amostral é dado por: \[\begin{eqnarray*} \Omega&=&\{(H,H,H),(H,H,T),(H,T,H),(H,T,T),\\ &&(T,H,H),(T,H,T),(T,T,H),(T,T,T)\}. \end{eqnarray*}\]

Contudo, como apresentamos a natureza das variáveis no Capítulo 1, definimos também a natureza dos espaços amostrais de acordo os seus resultados, do qual podemos apresentá-la na Definição 5.4.

Definição 5.4: Espaços amostrais discretos e contínuos
Um espaço amostral é discreto se o conjunto dos possíveis resultados são finito ou infinito contável (ou enumerável). Um espaço amostral é dito contínuo se o conjunto dos possíveis resultados são infinitos não contável (ou não enumerável) .

Vejamos o Exemplo 5.4, retirado de Montgomery e Runger (2016), para distinguir espaços amostrais discretos e contínuos, apresentado a seguir.

Exemplo 5.4: Câmera Flash
Considere um experimento em que é selecionado uma câmera de telefone celular e se registra o tempo de recarga de um flash. Os resultados possíveis para o tempo dependem da resolução do temporizador e dos tempos máximo e mínimo de recarga. Entretanto, podemos definir inicialmente o espaço amostral em termos da reta real positiva (\(\mathbb{R}_+\)), isto é, \[\begin{align*} \Omega = \mathbb{R}_+ & = \{ x ~:~ x > 0\}. \end{align*}\] Se soubermos que os tempos de recarga estão entre \(1,5\) e \(5\) segundos, podemos definir o espaço amostral da seguinte forma: \[\begin{align*} \Omega & = \{ x ~:~ 1,5 \leq x \leq 5\}. \end{align*}\] Caso, consideremos o tempo de recarga como baixo, médio ou alto, reescrevemos o espaço amostral como: \[\begin{align*} \Omega & = \{baixo,~\textrm{\emph{médio}},~alto\}. \end{align*}\] Por fim, podemos considerar apenas o fato da câmera satisfazer ou não as especificações do tempo de recarga mínimo, e assim, podemos assumir como resultados para esse espaço amostral: sim ou não, isto é, \[\begin{align*} \Omega & = \{sim,~\textrm{\emph{não}}\}. \end{align*}\] Para as duas primeiras situações, temos exemplos de espaços amostrais contínuos, e nos dois últimos, exemplos de espaços amostrais discretos.

Entretanto, também podemos ter um conjunto qualquer \(A\), que contém parte do elementos de \(\Omega\), isto é, \(A \subset \Omega\), e que \(A\) passa a ser chamado de subconjunto de \(\Omega\), apresentado na Definição 5.5.

Definição 5.5: Subconjunto
Se todo elemento do conjunto A é também elemento do conjunto B, então A é definido como um subconjunto de B, sendo representado \(A\subset B\) ou \(B\supset A\) (A está contido em B ou B contém A), em notação dizemos que: \[\begin{align*} A \subset B \Leftrightarrow A \subseteq B \textrm{ e } A \neq B. \end{align*}\]

Essa definição pode ser aplicada também a subconjuntos de \(\Omega\), como apresentado no Exemplo 5.5, a seguir.

Exemplo 5.5
Sejam os subconjuntos de \(\Omega\) do experimento aleatório apresentado no Exemplo 5.1, dos quais temos: \[ B=\{1,2,3,4\} \ \mbox{e} \ A=\{1,2,3\}, \] então A é um subconjunto de B, pois, os elementos que contém em A, também contém em B.

Definição 5.6: Evento
Todo subconjunto do espaço amostral (\(\Omega\)), representado por letras latinas em maiúsculo, A, B, \(\ldots\), é chamado de evento.

Vejamos o Exemplo 5.6, para um entendimento inicial sobre um evento, apresentado a seguir.

Exemplo 5.6
Um evento retirado do espaço amostral do Exemplo 5.3 seria \(A=\{(H,H,H)\), \((H,H,T)\), \((H,T,T)\}\), ou seja, o evento em que dos três arremessos de moedas, tenha saído ``cara” na primeira moeda.

Um outro exemplo abordado em James (2004), pode exemplificar um evento dentro do círculo unitário, apresentado no Exemplo 5.7, a seguir.

Exemplo 5.7

Escolher ao acaso um ponto no círculo de raio 1 centrado na origem. Então \[\begin{align*} \Omega & = \textrm{círculo unitário } = \{(x,y) \in \mathbb{R}^2:~ x^2 + y^2 \leq 1\}. \end{align*}\] Vejamos alguns eventos para esse exemplo: \[\begin{align*} A & = \textrm{``distância entre o ponto escolhido e a origem é'' } \leq 1/2 \\ B & = \textrm{``distância entre o ponto escolhido e a origem é'' } \geq 15\\ C & = \textrm{``1ª Coordenada do ponto escolhido é maior que a 2ª}. \end{align*}\] Se \(\omega = (x,y)\) for um resultado do experimento, então \(\omega\) pertencerá a \(A\) se, e somente se, \(x^2 + y^2 \leq 1/4\). Pertencerá ao evento C se, e somente se, \(x > y\). Nenhum ponto \(\omega\) pertencerá a \(B\), como pode ser observado pela Figura 5.2. Logo, temos: \[\begin{align*} A & =\{(x,y) \in \Omega:~ \sqrt{x^2 + y^2} \leq 1/2\}, \\ B & =\emptyset = \textrm{conjunto vazio}, \\ A & =\{(x,y) \in \Omega:~ x > y\}. \\ \end{align*}\] Então, todo evento associado a este experimento pode ser identificado por um subconjunto do espaço amostral.

(a) Evento A
(b) Evento B
Figura 5.2: Escolha do ponto em um círculo unitário.

Diante, do que falamos sobre a definição de evento, podemos apresentar três eventos básicos: o evento certo, impossível e o elementar, apresentados na Definição 5.7, a seguir.

Definição 5.7: Evento certo, impossível e elementar
Seja \(\Omega\) o espaço amostral do experimento. Então dizemos que \(\Omega\) é o evento certo, e \(\emptyset\) é o evento impossível, e o evento \(\{\omega\}\) é dito elementar.

Uma outra forma de definir o evento impossível é representá-lo como um conjunto vazio, apresentado na Definição 5.8, a seguir.

Definição 5.8: Conjunto Vazio
Se o conjunto A não contém nenhum elemento, então A é chamado de conjunto nulo ou conjunto vazio, ou seja, \(A=\varnothing\) ou \(A=\{ \ \}\), isto é, \[\begin{align} A & = \{\omega \in \Omega: \omega \neq \omega \}. \end{align}\]

Podemos perceber que todo conjunto vazio é um subconjunto de qualquer evento não vazio do espaço amostral, como pode ser apresentado no Teorema 5.1.

Teorema 5.1
Considere o conjunto vazio, \(\emptyset\), e um evento não vazio, \(A\), definido no espaço amostral, \(\Omega\). Então \(\emptyset \subseteq A\).

Prova
Vamos realizar a prova por contradição. Supomos que \(\emptyset {\not\subseteq} A\). Isso significa que \(\exists \omega: \omega \in \emptyset \textrm{ e } \omega \notin A\), porém \(\omega \in \emptyset\) é um absurdo, logo \(\emptyset \subseteq A\), o que conclui a prova.

E ainda podemos concluir que se existe um conjunto vazio, ele é único, como pode ser apresentado no Corolário 5.1.

Corolário 5.1
Existe somente um conjunto vazio.

Prova
Suponha que exista dois conjuntos vazios, \(\emptyset_1\) e \(\emptyset_2\). Pelo Teorema 5.1, sabemos que \(\emptyset_1 \subseteq \emptyset_2\), uma vez que \(\emptyset_1\) é um conjunto vazio. Mas, também sabemos que \(\emptyset_2 \subseteq \emptyset_1\), uma vez que \(\emptyset_2\) é um conjunto vazio. Logo, pela equivalência de conjuntos (eventos), Definição 5.13, \(\emptyset_1 = \emptyset_2\), o que conclui a prova.

Em algumas situações, podemos apresentar alguns eventos a partir da combinação de outros eventos. Dessa forma, se faz necessário apresentar algumas operações elementares de conjuntos e suas consequências, tais como a união, interseção, complemento, dentre outras definições abordadas a seguir. Inicialmente, apresentamos na Definição 5.9, a união de dois eventos.

Definição 5.9: União de dois eventos
Sejam A e B, dois eventos quaisquer de \(\Omega\), então o conjunto de todos os elementos que estão em A ou B ou em ambos, é definido como o conjunto união de A e B, denotado por \(A\cup B\), tal que, \[ \begin{align} A\cup B & = \{\omega \in \Omega: ~\omega \in A \textrm{ ou } \omega \in B\}. \end{align} \tag{5.1}\]

Vejamos o Exemplo 5.8, sobre a união de dois eventos, a seguir.

Exemplo 5.8
Sejam os conjuntos: \[ A=\{1,2,3\} \ \mbox{e} \ B=\{3,4,5,6\}, \] então \[ A\cup B=\{1,2,3,4,5,6\}. \]

A Definição 5.10 apresenta a próxima propriedade de conjuntos, que é a interseção de de eventos, apresentada a seguir.

Definição 5.10: Interseção de dois eventos
Sejam A e B, dois eventos quaisquer de \(\Omega\), então o conjunto que contém todos os elementos que estão em A e B, é definido como a interseção de A e B, denotado por \(A\cap B\) ou \(AB\), tal que, \[ \begin{align} A \cap B & = \{\omega \in \Omega: ~\omega \in A \textrm{ e } \omega \in B\}. \end{align} \tag{5.2}\]

Do Exemplo 5.8, temos que a intersecção de \(AB = \{3\}\).

Definição 5.11: Eventos Disjuntos ou multuamente exclusivos
Sejam A e B, dois eventos quaisquer de \(\Omega\), então estes são disjuntos ou mutuamente exclusivos quando não existir elementos em comum entre A e B, isto é, \(A\cap B = \emptyset\).

Vejamos o Exemplo 5.9, para entendermos sobre eventos disjuntos, apresentado a seguir.

Exemplo 5.9
Sejam os eventos \(A=\{1,2,3,4\}\) e \(B=\{5,6\}\), então \(A\cap B=\varnothing\)

Em seguida, apresentamos mais duas definições interessantes, que são os eventos coletivamente exaustivos (Definição 5.12) e eventos equivalentes (Definição 5.13), apresentados na sequência.

Definição 5.12: Eventos coletivamente exaustivos
Considere um conjunto de eventos em \(\Omega\), se ao menos um evento ocorrer durante um dado experimento, dizemos que esses eventos são coletivamente exaustivos.

Na sequência, segue a definição sobre eventos equivalentes.

Definição 5.13: Eventos equivalentes
Dois eventos \(A\) e \(B\) são definidos equivalentes, ou iguais, se \(A\subseteq B\) e \(B \subseteq A\).

Exemplo 5.10
Sejam os conjuntos: \[ B=\{1,2,3\} \ \mbox{e} \ A=\{1,2,3\}, \] então \(A\) é igual a \(B\), pois \(A\subset B\) e \(B \subset A\).

Uma relação de eventos que será muito importante para o estudo da teoria da probabilidade, é a definição de complemento, abordado a seguir.

Exemplo 5.11
Sejam os conjuntos: \[ B=\{1,2,3\} \ \mbox{e} \ A=\{1,2,3\}, \] então \(A\) é igual a \(B\), pois \(A\subset B\) e \(B \subset A\).

Uma relação de eventos que será muito importante para o estudo da teoria da probabilidade, é a definição de complemento, abordado a seguir.