Capítulo 4 Lugares

4.1 Introdução

Ah…, quantos lugares são possíveis de conhecer com a seleção de poesias de Ciriégola para esse Capítulo. O carinho que ele tem pela cidade micaelense, talvez pelas boas lembranças de nossos familiares que posso representá-los nos nomes de Tia Graça e vovô Sebastião, pessoas de grande representação a nossa família, e que a cidade de São Miguel/RN é mencionada em muitos momentos pelos seus textos. Mas, também um convite a existência de algum lugar utópico, onde homem e natureza possam viver em simbiose, e que o AGORA seja o seu passado e futuro. Por meio destes textos, dentre outros, o leitor poderá desfrutar o encontro do seu próprio lugar, como parte integrante desse Universo. Uma boa leitura!

4.2 Poesias, prosas e textos

4.2.1 Minha Cidade

Num verde silencioso
Descansa ó tu, cidade
Vê meus olhos do cerrado

Verde e solidariedade
Sou teu filho que nasceu
Vagabundo sem maldade

Todo amor em que tu tens
Como ninguém, minha cidade

Sinhá gigante pigméia
Forte fibra da chapada
Com mandacaru cheiroso
Erudito nas quebradas


O Arcanjo já desceu
Mas estás de pé cidade
Num riso Brasil menino
Pela progressividade

Na balança de Miguel
Foste sã em honestidade
Teu religioso forte fez de mim: felicidade
Tu és minha mãe
Minha cidade

Todo amor em que tu tens
Como ninguém, minha cidade

4.2.2 Pegadas De Peregrino

Esta Terra amena tem o hino e as pegadas dos meus passos
Traços genéticos, laços dos meus ávidos destinos
Têm a sina e a senha triunfal com ídeos méritos latinos
Dos nordestinos calos que calejadamente assolam meus braços

Desses peregrinos passos faço mansa a senda da megalomania
De alegria e graça que abraça  o cheiro de um povo generoso
Cuja senha eriça o cenho de qualquer ditador espalhafatoso
Cuja herança avança num passado escrito pela paleontologia

A sabedoria asceta que assume o jeito desses passos marginais
São os mesmos passos dados e repetidos pelos nossos ancestrais
Que eu jamais negue a Terra amada por onde quer que eu ande

Que eu morra tantas vezes se assim for preciso ou necessário
Certamente escolherei outra vez minha pátria como berçário
De novo nascerei em qualquer lugar ao Norte do meu Rio Grande

4.2.3 Minha Terra (Ke Admirinda Mondo)7

Está vendo seu moço, lá adiante, aquela serra ?!!!
Foi a Terra que minha alma escolheu para nascer
Está vendo seu moço aquela parte que parece tocar no céu ?!!!
São Miguel foi o nome que deram para aquela cidade
Oh, mia Dio! Como eu amo a minha Terra!

Ke admirinda Mondo!
A  minha Terra, seu moço, ainda existem as quatro estações
Ainda cantam pelas pinheiras,  sabiás, sanhaçus, pegas e vem-vens
Ainda tem jacus, seriemas, codornas, tatu, pebas e tamanduás, teiús
Sagüis, macacos,  camaleões,  preás, mocós e timbus

Ke admirinda Mondo!
Em qualquer parte do mundo, não importa onde eu possa estar
Para lembrar da minha Terra basta os olhos fechar
Lá estou no alto do sítio Cachoeira em pleno vigor do inverno
É sensível o cheiro  da terra vermelha molhada e da flor de canafístula
É possível lembrar daqueles rostos rosados e satisfeitos
Satisfeitos por si só, com a vida e com todos

Oh Mia Dio! Ke admirinda Mondo!
Na minha Terra , seu moço, não existe fome nem miséria
Tem jaca, melão, melancia, cajarana, manga, caju e mamão
Tem  arroz, milho, mandioca, jerimum, taioba, batata e  feijão
Disso tudo vem o cuscuz, canjica, pamonha, angu, beiju,  tapioca e fubá
Pão, broa, curau, xerém, pé-de-moleque, pipoca, farinha, e  mungunzá
Para aqueles que se aventuram por ali em sua primeira viagem
Enchem os olhos com a riqueza da nossa maravilhosa paisagem:
Unha-de-gato, xique-xique, favela, maniçoba, jurema, jucá,  e  pinhão
Mufumbo, marmeleiro, palmatória, jatobá, jitirana, muçambê e cansanção

Oh Mia koro! Ke admirinda mundo!
Na minha Terra, seu moço, ninguém usa ataúde
A solicitude do meu povo usa a própria rede para despachar
A carcaça calejada e sofrida de um ferrenho  centenário
Lá, seu moço,  não bebemos água clorada e sem espírito
A Mãe Natureza verte do seu seio um manancial de água pura e cristalina
O árbitro senso atímico popular também não permite poluir o ar
Que já está viciado e nauseabundo nas megalópoles, sítios e povoados
Deputados, presidentes, senadores e outros lupinos legisladores
Lá, ninguém sabe  para que servem esses ufanadores

Oh mia koro! Ke admirinda mondo!
Na minha Terra, seu moço,  viajamos também para dentro de nós mesmos
Por  isso só choramos de alegria e não sofremos de tantas  saudades
Na minha Terra, não choramos quando temos que partir
Pois não temos  notícias ruins na chegada
Em setembro, a prima Vera trás consigo a festa do nosso padroeiro
Eu nasci no dia 13 deste mês, na rua 13 de maio, numa casa número 13
Por essas e outras razões, amo tanto a minha Terra

Quando eu tiver que viajar às Pradarias Celestiais, já deixei escrito:
“Que o vermelho da terra vermelha da minha Terra absorva os rebotalhos
Que os cigalhos nutram os vermes e perpetuem a cadeia da vida
Eis aqui Gaia! Estou te devolvendo, minha Mãe, tudo o que me foi dado”
Enterrar-se-á também a gratidão de um guerreiro, cantante e arteiro
Poeta popular não repentista, xamanzeiro e peregrino escrevente
Homem simples que amou tanto a sua primeira mulher: minha  Mãe!
Oh mia koro! Ke adimirinda mondo!  Ke admirinda mondo!

4.2.4 O Paraíso

Parando  as  atividades para descançar a  mentE
A  gente   pode    encontrar    aquilo  que  procurA
Refletindo  no  pós - vida  e  que  tudo  tem   um  “Q”
Além de  nossa  vil  visão  errante como uma  naU
Inquieta. Que  sempre nossa  alma vã,  busque a sI
Sobre  si  mesma,  e  que   as    pessoas  não  negueM
O direito que todos têm de lutar pela felicidadE
Elevando  a  qualidade   dos nossos pensamentoS
Sobrepujando   desejos  torpes   e  senil no homeM
Poderemos   chegar   ao   que   chamamos   paraísO
Indiferentemente   de  qualquer  religião, o hífeN
Religante   entre   o   homem  e   a  presença divinA
Impera    naqueles   que  têm  o    reduzido    déficiT
Todavia,  nós  somos   o   que   pensamos   mediantE
Uma postura  de  perseverança,  carisma  e  podeR
Acrescente a  tudo  isso,   compaixão,  luz  e amoR
Logo estaremos no  paraíso,  nossa legítima casA

4.2.5 Loja 13 De Setembro

Tudo pela minha Mãe eu faço
Minha mãe, vida em beleza
Ela teve até a nobreza
De me dar régua e compasso
Fez-me também mestre no traço
Da argamassa, feliz pedreiro
Fui feliz alvissareiro
Com meu irmão operário
Fui aprendiz sem salário
Mas um fiel companheiro

Ganhei mais de um milhão
De amigos dedicados
Homens retos e honrados
Os quais  os chamo de irmãos
Dentro do meu coração
Sou um peregrino ativo
Na acácia à sombra vivo
Pelo esquadro do destino
Sou um feliz peregrino
Meu salário é atrativo

Loja “13 de Setembro”
Onde a arte lá pratico
Junto ao Mestre Aderico
De tudo isso lembro
Quando me tornei um membro
Conheci minha nutriz
Na gratidão sou feliz
Sou um feliz operário
Sou feliz com meu salário
Sou um eterno aprendiz

4.2.6 Cruzando A Via Alf

Uma vez eu cruzei esta rota
Longa, estrada da cerra
Onde encerra tantas coisas belas
Por elas, certamente, eu teria, por alegria
Vivido tantas aventuras
Um Mundo Novo que talvez
Pudesse ter permanecido
Amadurecido e ter plantado
A semente da minha espécie perpétua
O preço é alto para o incauto aventureiro
Que no terreiro dos solos devolutos
Armou a sua tenda
Para namorar as filhas das aldeias
E nas veias de tantas campesinas
Só deixando lágrimas e esperanças
De um regresso insólito procrastinado
Hoje percorrendo outra estrada paralela
Ao lado eu vejo sorridente
Inocente e bela
Aquela via única que por ali passei
Estrada sempre nova, caminho bom e singelo
Eu vejo um outro andarilho palmilhando aquele solo
Desfrutando os mesmos mistérios e primícias
Então nas delícias das divagações
Fico me perguntando das minhas atitudes de outrora
Teria o destino me afastado daquela rota
Ou a cota da tolerância teria esgotado
Ou julgado abusiva minha escolha
E me condenado a solidão dos acompanhados?
Talvez sim... Talvez não. Talvez!
Quero crer na generosidade da Natureza
Que excluiu de mim o desejo hediondo
De prendê-la a mim
No marital desejo da vulgaridade carnal
Assim talvez a rotina tivesse  cegado
Ou mascarado a tua beleza desejável
Assim talvez meu desejo por ti e pela arte
Em parte, jamais eu teria cometido este reles pecado

4.2.7 Viagem Ao Mar Da Galiléia

Se o Sul a mim tá à esquerda do Norte
Talvez   tenha melhor sorte
Lê o “Atsi Tab”, quando viajar pelo deserto
Assim orientar-me pela Estrela do Oriente
O caminho ficará mais perto e consciente
Chegarei mais cedo a Bauti pelo Oeste
Novamente verei o Mar da Galiléia
Sem gaivotas e sem mandacarus
Sem urubus, sem som e sem idéia
Alguma ave talvez me traga recordações
Daqueles tempos de terras afáveis e lições
Dos ventos brandos dos céus de Urânia
Ah! Quanta saudade de você, Asumilat
Minha Flor de lapela
Minha Rosa tão bela
Meu barco à vela
Filha do pastor de ovelhas Keirasi
E consinta Alá muita saúde a Átsiv e Bedorah
Pela sabedoria dos seus caminhos
Andei poucas vezes por aquele Mar
Hoje Mar impróprio para o caminhar
Outrora, porém, Mar revolto de adrenalina
Surdina de muitos encontros inesquecíveis
Ah Mar brejeiro de beleza e graça!
A taça dos teus lábios prometidos
Embriagou-me apressadamente muitas vezes
E muitas vezes deitei meus medos no teu colo
Consciente de minha invasão nas tuas águas
Muitas vezes corri junto ao vento contigo
Para contigo celebrar a mesquinhez da liberdade
Que jamais conseguimos alcançar
Se alcançamos fomos separados pelos ditames
De uma sociedade carceriana, cruel e rude
Esta é minha última canção para você
Num pleito de gratidão e reciprocidade
Pela generosidade de ter partilhado comigo
Os tensos caminhos da nossa juventude
Na verdade os caminhos continuam os mesmos
Nós apenas mudamos o modo de caminhar

4.2.8 Deve Existir Algum Lugar

Quando eu olho algumas vezes nos confins daquele céu
Deve existir algum lugar em que eu possa descansar
Amar e dar sossego a minha alma pacífica
Que eu possa aprender e falar com eles o ESPERANTO
Que a música seja épica e calmante para o espírito
Que a terra seja de todos e todos da terra
Que ninguém fume nem use cachaça ruim
Que haja noite sem escuro e sem credores
Que jamais apareça alguém para dizer adeus
Que a religião seja o amor mais puro e impessoal
Que seja possível falar só o necessário

Quando eu olho algumas vezes nos confins daquele céu
Deve existir algum lugar em que eu possa descansar
Amar e dar sossego a minha alma intinerante
Que a saúde seja plena sem médicos para cortar, furar e estripar
Que as causas sejam justas sem precisar de advogados
Que a bondade das pessoas desconheça os presídios
Que a culinária natural não precise matar os inocentes animais
Que a educação se resuma em fazer  sempre uma boa pergunta
Que a moeda corrente seja o suor do labor humano
Que os dentistas cuidem apenas dos dentes de alho
Que os oculistas cuidem apenas do olho do mundo

Quando eu olho algumas vezes nos confins daquele céu
Deve existir algum lugar em que eu possa descansar
Amar e dar sossego ao meu pensamento fulgaz
Que todas as mulheres tenham os  mesmos atributos das outras
Que os homens compartilhem sempre das mesmas alegrias e conquistas
Que os seres humanos reaprendam a conversar com a Mãe Terra
Que a dor, a  morte e o ódio sejam coisas do passado
Que desconheçam os legisladores, os executivos e os  justiceiros
Que não existam cadeias, hospitais, escolas, igrejas,  cemitérios e bancos
Que a mente substitua as redes de aviação
Que o cheiro das pessoas não precise usar spray

Quando eu olho algumas vezes nos confins daquele céu
Deve existir algum lugar em que eu possa descansar
Amar e dar sossego a minha alma pacífica
Que os cobradores de impostos cobrem as falhas de si mesmos
Que não exista o diabo no  livro  sagrado
Que chova sempre e haja boas safras
Que a alimentação seja saudável, natural e alternativa
Que todos sejam cidadãos universais, sem fronteiras
Que o AGORA seja a única medida de tempo vigente
Que o trabalho seja uma atividade espontânea e não escravidão
Que os filhos alheios sejam também nossos filhos

4.2.9 Terra Sem Males

Dê-me a sua mão
Vamos partir
Sair pra longe da situação
Atroz
Em busca da tranqüilidade
Sonhar com a felicidade
Onde o mundo é de todos nós
Só levo o necessário pra viver
No ventre meu filho que vai chegar
Feliz
Na cuca uma esperança nova
No saco uma viola cansada
Arado pra fazer a plantação
Quando a guerra e os vilões
Por lá chegar
Temos mudado
Pra outro lugar