Capítulo 2 O poeta pela obra
2.1 Introdução
Em forma de poesia, Ciriégola apresenta seu solilóquio. Uma mistura da fauna e flora nordestina adentrando em seu íntimo, de tal modo que se entende Ciriégola como parte de tudo. Apesar do registro de nascimento em Portalegre/RN, seu nascimento ocorre na cidade de São Miguel/RN, devido a condição nômade de seu Pai, Alcides Batista, devido aos ofícios do trabalho, como construtor de açudes pelo DNOCS5. Talvez a astúcia poética de Ciriégola tenha heranças genéticas de Alcides Batista, uma vez que este sem ao menos ter o primário completo, usava sementes de feijão no bolso como a sua calculadora, para averiguar se os cálculos das fundações de açudes na região estavam de acordo com os projetos desenvolvidos pelos engenheiros da época.
Essa astúcia herdada fez com que Ciriégola conseguisse desde as suas frustações, como a poesia na subseção 2.2.7, intitulada Medo, até mesmo a sua anomalia etílica, em A Dama de Branco, ser transformada em poesia. Sem mais, a seção a seguir apresenta uma seleção de 17 poesias, textos ou prosas sobre Ciriégola por ele mesmo.
2.2 Poesias, prosas e textos
2.2.1 Meu Nome É Falcão Ligeiro, Mas Me Chamam De Léo Batista
Eu nasci naquela Serra Que é hoje São Miguel Uso barba e chapéu Fui professor nessa guerra Vim de longe de outra Terra De um mundo pacifista Sou do Amor, um ativista Sou da Paz, um mensageiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Eu tenho o pé rachado De andar na terra quente Eu como diariamente Feijão com tocin’ torrado Só durmo dependurado Numa rede que resista O tranco d’um anarquista Na senda de um guerreiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Minha mãe foi professora Meu pai feitor de açude Deram-me verso e saúde E uma vida promissora Minha sina sedutora Me botou cedo na pista Sofri muito na conquista De coração bandoleiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Tenho sangue retirante Deixei meu rastro profundo Nas estradas deste mundo Fui um sagaz estudante Muitas vezes exultante Nesta vida fatalista Fui porteiro e arquivista No meu sertão sou arteiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Decimoterceirinado Meu dia de nascimento É algo sem cabimento Ter o 13 do meu lado Meu dia 13 sagrado De setembro pacifista Minha ALMA de artista Repousa neste sendeiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Nasci sem religião Sem partido e sem bandeira Sem dinheiro e sem besteira E sem gostar de palavrão Há quem me chame pagão Há quem me chame sofista Um nome fora da lista Um nome de mandingueiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Moro de fronte pro Norte Bem perto do batalhão Todo mundo é meu irmão É um bom lugar de sorte Aqui eu me sinto forte O povo é positivista Acham que sou repentista Nego pro mundo inteiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Sou Panati e Potiguar Sou Cafuzo ou sou pardo? Talvez eu seja um bardo Sem viola p’ra cantar Eu aceito me chamar Qualquer nome que invista Bem, na moral da conquista E me traga jeito ordeiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Alcides, nome de pain’ Minha mãe é Josélia Minha irmã, Auricélia E tudo ficou assim Da mesma forma pra mim Alcigério, conquista Usual, mas não despista O meu nome verdadeiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista Sou um xamã nordestino O tenho como missão Tenho muita gratidão Por isso no meu destino Sou assim desde menino Meu padrão é otimista Minha vida é uma conquista Sou alegre e sou faceiro Meu nome é Falcão Ligeiro Mas me chamam Léo Batista
2.2.2 O Retrato
Já venho de muito longe, lá do outro lado Onde as sombras conservam as formas originais Sem as intervenções medíocres carbomateriais E o paradigma ainda mantém-se imaculado Astros e estrelas iluminam o universo inimaginado Liberdade é a única prisão admitida Consciência é mestra e velha conhecida Inspiração é a tônica de todos os sistemas Generosidade é o mais rico dos fonemas Esperança é jóia rara lá e muito bem guarnecida Retornei novamente a labuta desta vida Intuindo consertar outra vez minhas pegadas Outra vez vou vagar pelas ruas e estradas Burilando as ações e cada gesto desta lida Assim receberei minha certa e justa medida Tornarei à minha casa para nunca mais voltar Instalarei em minha terra um estado popular Saturado de beleza, justiça, amor e sorte Terá de novo nome de Rio Grande do Norte A soberania será de todo povo potiguar
2.2.3 A Foto
Eu namorava as cabrochas nas aldeias Aqui ainda corria sangue bom nessas veias O apêndice se exibia com talento e competência A degeneração caprichosa do carbono Esse tirano que devora juventude Tem me roubado as baterias, amiúde O prazer de todo e qualquer ser humano Mas eu me conformo com o que me resta O calado menino pra alguma coisa presta De vez em quando ele se levanta e se esbroa Aí eu visualizo um clima de neblina Eu aproveito toda força da urina E brinco a noite toda com a patroa
2.2.4 O Falcão do Semiárido
Sou um Falcão micaelense Filho de uma princesa oestana Nasci na rama da jitirana Do Vento Norte, caçula irmão De Porta Alegre trago a adoção Nas veias trago sangue Panati De Ti, ó Proboscídeo Pater Herdei as manhas Potiguara Amar a gleba tosca rara É a cara e sublimação Que trago dentro da alma Sou um Falcão do semiárido De pálida tez altiva e clara Teimoso e perspicaz como arara Perseguidor avesso ao mal destino Voar sempre como bicho peregrino É o escrutínio abrupto necessário Para se aprender a dever pouco e sofrer menos Sou Falcão de garras em riste De uma alva e pura terra Das serras, pradarias e queimadas tristes Da seca ravina cavernosa De mal cheirosa elite pequenina Que assoreia a consciência nobelina De um sertão espoliado e empedernido Sou um Falconídeo de tantas lembranças boas Que voa nas asas de um tempo altaneiro Onde o falcão ligeiro tinha abundância e fartura A doçura da jandaíra enchia as cabaças dos antigos E os inimigos comuns eram tão poucos Naquele tempo o Apodi corria no seu leito Do jeito que um curumim saltita na puberdade Num sabe ?! Cheio de escaramuças e liberdade A Terra, nossa Mãe se desmanchava em leite e mel O dossel da mata era um verdadeiro templo natural A magia da dança e do canto ritual era oração comum E qualquer um podia ver Deus no rio, nas plantas No Avô Céu, nos produtos da terra, nas nossas anatomias Todo dia enfim, era nosso dia Sou um Falcão, irmão de tantos irmãos Da nação antiga de Potiguara e Cariri Guerreiros passivos que lutam no silêncio dos ideais Ancestrais revestidos de neologismo flexível e portável Afável é um futuro que se avizinha às heranças Lanças, arcos ou bordunas, não mais serão as armas Desse milênio inusitado, mas neurônios conectados e fortalecidos Imbuídos pela promessa do retorno às origens Pasmarão ante as impossibilidades de ferir sua própria miscigenação Desconfiarão jamais, que os filhos da terra voltarão Como filhos de suas próprias filhas e herdarão Uma herança que já se sabia a quem pertencia por direito Sou, hoje, um Falcão solitário como o RN Do meu abecedário brejeiro e provinciano Nem lusitano, nem otário Nem cidadão, nem perdulário Sou o resquício de uma geração nativa Notívaga e adormecida em cada seca que se inicia Ativa e viçosa em cada inverno que por vez molha Cada folha da caatinga do sertão nordestino
2.2.5 Origem
Eu sou da linhagem Panati Minha Mãe é a Terra Meu Pai é o Céu O Sol é meu Avô A Lua é minha Avó O Povo Planta, o Povo Animal e o Povo Pedra São meus primos O fogo, a terra, o ar e a água São meus parentes Meus ancestrais dormem No seio sagrado desta terra Por isso Eu piso nela devagar
2.2.6 Memórias De Um Filho Prematuro
Em minhas gônadas carrego cativa A solidez do embrião prematuro E por mais que queiras lançar-te ao monturo Das conturbadas situações corrosivas Transformar-te-ei em vontade que ativas A repreensão que imponho com tanta energia Vivo contigo, meu filho, todo dia Observando por ti, minha geração profana Portanto, repousa na tua paz soberana Tenhas esperanças e sorri pra mim, alegria Muitas vezes pelas ruas da cidade Deparo-me com aqueles que do teu mundo vieram Híbridas crianças que de incautos provieram Desprezadas e reprimidas pela falsa sociedade Que só pelo fato de atrair outra amizade Manchando a alma com tirana covardia Repõe nas esmolas os desejos da avaria Depois se julga educado e caridoso Como vês, tudo é muito arriscado e perigoso Por isso, sorri meu filho, alegria Teu lugar ainda não foi preparado E tua mãe te espera aflita em castidade Mas hoje mesmo por uma necessidade Saí em busca de um trabalho no mercado Pelos homens da política fui barrado Voltei chutando as pedras da via Imagine se estivesses neste dia O teu leite eu teria que furtar Sendo assim acho melhor esperar Por enquanto, sorri filho, alegria Teu mundo é porque tem tanta inocência Precisavas ver o que dizem os jornais O pensamento dos teus irmãos nacionais: É nas armas defensivas de guerra pela ciência Sem pensar que a terrível conseqüência É poluir as correntes da água da freguesia Esquecendo os direitos até da filantropia Podendo toda a ecologia vir a perecer Por isso, pra que tanta vontade de nascer? Agora bom mesmo é sorrir filho, alegria! Todas estas cousas, afora outras passageiras Evitarás não querendo nascer agora Calma! Chegará um dia a tua hora Onde não encontrarás nem trevas, nem barreiras Que possas te impedir de limpar as sujeiras Nos livres caminhos da tua democracia Trarás aos viventes uma nova filosofia Que agradará aos gregos e aos troianos Sendo assim, esperarei com risos, sem enganos E sorrirás também comigo, sorri, alegria! Quando chegar o momento do áureo florescer Nascerás como os mandacarus do sertão Desconhecerás a fome, o maltrato, a opressão Serás três vezes grande, sem sobre os outros crescer Nestas alturas, estou perto de perecer Pela idade que traz rugas e monotonia Mesmo acompanhando um bastão como meu guia Estarei feliz por ter atingido o meu fim Desta vez tu és quem dirás pra mim: Sorrias pai, sorri pra mim, alegria!
2.2.7 Medo
Quando eu era ainda um menino tinha Medo do escuro Medo de trovoada Medo de “alma” Medo da morte Medo da solidão Medo da dor Medo de médicos Medo de falar mentiras Medo da incerteza Medo do pesadelo Medo do “cão” Medo de vacina Medo de adoecer Medo de igreja Medo de hospital Medo de quartel Medo de cemitério Medo de escola Medo de altura Medo do canto da rasga-mortalha Medo de ser reprovado Medo de fazer cocô em hora incerta Medo de notícia ruim na chegada Medo de ter medo O tempo passou E ainda continuo em trabalho de parto Que merda!
2.2.8 Vampiro Urbano
Notívaga criatura da noite, eu sou O fluido inebriante alucina minh’alma Sem essa vítima não consigo manter a calma Os caninos eu banho nesse sangue pr’onde vou Meu amor e minha ânsia ao agarrar um gogó É tal qual o falcão agarra um lepurino É como um petisco nas mãos de um menino Que abate a sua presa de um golpe só Tremo no prazer ao pensar nas vítimas devolutas São todas damas da noite, generosas prostituas Que se fartam alucinadas em frenesi de bacanais Na verdade esse sangue se encontra nas adegas Destilam, fartamente abundam em todas as bodegas É o veneno que eu preciso, o sumo puro dos canaviais
2.2.9 A Dama De Branco
Ela é jovial e faz a festa de burguês a cortesão Ludibria a consciência de magistrado a reverendo Essa dama de branco que eu muito compreendo Não vacila na cobaia inocente da sua pretensão Seja branco, preto, rico, religiosos, ateus ou nobres Vã e triste é a sina daqueles que cruzam tais estradas Os prostíbulos se abarrotam de ébrios e deixam pegadas Que muito marcaram ignotas campas, rasas covas pobres Tenho arquitetado minha renúncia todos esses anos Tenho feito muitas juras e diversificados planos Para deixar essa mulher ingrata e traiçoeira Mas quanto mais eu mais fujo dessa plebe etilia Mais aumenta o consumo dessa imbecil anomalia Mais uma garrafa se esvai e se evapora da prateleira
2.2.10 Léo Falcão
Eu sou o veloz Falcão Ligeiro Nascido nas brenhas da caatinga Sou filho da serra e da mandinga Do astuto Carcará de tabuleiro Ninguém sabe onde é o meu poleiro Nem imagina quem é a minha prole Minha casa é secreta e ninguém bole Tem embaixo um enorme formigueiro Por cima tem uma farta rama de aveloz Que mata, envenena, maltrata e é atroz Impondo o incauto em um febril dilema E sem querer tornar as coisas comoventes Do lado mora a mais terrível das serpentes Que mora no oco daquela velha jurema
2.2.11 Profissão: Professor
Penso, às vezes, que a pior escolha tirana Repousa na escolha de uma profissão errada O mesmo é que andar com uma cueca cagada Fugindo de um feroz enxame de abelha italiana Imprudente é a mentalidade de qualquer mente sana Supor fazer carreira numa profissão de impropério Seria melhor politizar defunto em cemitério Arrebanhar prostitutas em busca de seus direitos Ou ser gigolô de todas as raparigas dos prefeitos Denunciando todas as riquezas daquele ministério É horripilante, odiento, atroz e injurioso Produzir conhecimento é formar boa opinião Reduzir-se a mesquinharias, ser escravo da razão Obrigado a receber um salário fugaz e doloroso Futuro próximo trará mister fútil e imperioso Escolas públicas chorarão a falta desse profissional Solitário, esquecido e sem nenhuma função social Sobrarão vagas nas escolas e em seu corpo docente O estado sofrerá a dor por ter sido imprudente Renascerá a nova escola holística e interacional
2.2.12 Meu Cavalo Baio
Lakayo, meu cavalo baio, meu companheiro amigo, inseparável soma Assumo a sorte de tê-lo como escudeiro nesta estranha estrada Armada e dura, a armadura pesada sobre as costas nunca reclamastes Nem passastes o passo além do pensamento nobre do meu Atma Lakayo, meu cavalo baio, meu companheiro amigo, inseparável soma Acompanhaste-me desde a mais tenra primavera da minha juventude Foste-me o presente mais caro daquele insofismável 13 de setembro Como eu poderia ver o mundo sem teus olhos, ouvir sem teus ouvidos? Falar e soltar o verbo sem a tua boca, cheirar a brisa sem as tuas narinas? Como eu poderia sentir sem o teu coração e pensar sem teu sano cérebro? Como eu poderia atingir o paraíso e me reproduzir sem o teu fálus? Lakayo, meu cavalo baio, meu companheiro amigo, inseparável soma Miro-te no espelho e sinto a presença genomática dos meus ancestrais Não pude dar-te a companheira ufana dos teus indomáveis onirismos Mas contemplo o milagre da beleza estóica no semblante da tua prole Não pude dar-te rédeas para correr o mundo das tuas sutis espertezas Mas te mostrei a sabedoria nobre que habita no âmago da generosidade Lakayo, meu cavalo baio, meu companheiro amigo, inseparável soma Fiz-te conhecer os etílicos sabores e os inebriantes efeitos da enologia Mas te ensinei os limites que devemos tomar e agir nas adversidades Ensinei-te a empunhar a balestra e o local exato dos plexos humanos Porém te ensinei a guardar a aljava e o arco em tempos de confrarias Lakayo, meu cavalo baio, meu companheiro amigo, inseparável soma Não foste o ginete padrão da hodierna e acéfala sociedade cartesiana Cresceste anarquista e morrerás liberto de todos os fundamentalismos
2.2.13 Personalidade
De poeta e cantor, sou novo Mas de amor e coração Eu sou velho Se já não fui feliz É porque Pai destino não quis Que eu fosse feliz Não canto por prata e sim por amor Não tenho anel nem diploma de doutor Eu sou apenas um ser estável Como muitos no mundo de meu Deus E por riqueza Eu tenho o céu como teto E as estrelas por luz Minha namorada: noites vagas E um amigo pra dizer canção O meu defeito é sempre um bom cara E a vontade de ser mais feliz Se me perguntam se sou vagabundo Eu não nego Minha blusa rota E minha calça desbotada Dizem tudo O meu defeito é ser sempre um bom cara E a vontade de ser mais feliz
2.2.14 Nasci Poeta
Nasci poeta De amor embriagado Sou filiado A matriz da solidão Meu coração Em lucidez onipotente Trás a semente pelo que fiz Fui combatente Pela Paz filosofia Minha alegria É ver tudo feliz Do cosmo estéril Pelo qual me sinto escravo Não sou um bravo Sou sonhador Em canos longos, largos Corre quente em mim O sangue poesia A ironia Mãe da natureza plebe Fez de mim Um cantador Solicitude É a magia do meu ser Na plenitude Sou qual bicho no querer Meu mundo é esse Que você manjou Nasci poeta Plebeu cantor
2.2.15 Meu Barco À Vela
Lá vai o meu barco à vela Levando o seu passageiro Descendo a cachoeira Última viagem da vida Lá vai meu barco à vela Num soluçar verdadeiro Deixando rastro e poeira Só uma passagem de ida Quem sonhou com a vida Encontra a vida Essa infinda crença Quem sonhou com morte Ha decepção na imortalidade Num coração peregrino A ilusão só provoca a dor Nada mais Lá vai o meu barco à vela Num acenar derradeiro Deixando uma esteira De promessa mal cumprida La vai o meu barco à vela Deixando o mundo, ligeiro Quem fica, paga a conta Depois a gente se acerta